sábado, 7 de dezembro de 2019

CALVÁRIO DE DESMENTIDOS FÁCEIS



Ao buscarem formalizar uma acusação no processo de impeachment que corre na Câmara dos Deputados, os Democratas americanos, movidos apenas por convicções morais e ideológicas ingênuas, mas hábeis em instrumentalizar ambições e projetos de poder absurdos, apelam para uma modalidade de interpretação das leis perigosamente falha e tendenciosa, levada a cabo num campo probatório totalmente comprometido pela dúvida e a ausência de materialidade. Como dissemos antes, no princípio constitucional da ''INTERPRETAÇÃO CONFORME''  há uma cristalina presunção de que o Legislativo, nos procedimentos em que lhe compete identificar casos de inconstitucionalidade, somente o deve fazer quando assim aquela o for INDUVIDOSAMENTE--- se há (repito) possibilidade de várias leituras a respeito de uma conduta (e é o caso aqui), ou se, ao menos em uma delas, é possível livrá-la da pretensão tipificadora, INADMISSÍVEL formalizar-se acusação, uma vez que o objeto de tal pretensão, desamparado pela hipótese legal, resultou inalcançável e, longe de estabelecer materialmente o NEXO CAUSAL almejado, liquefez-se num mero exercício político-moral de ''transação de sentidos'', dando lugar apenas a considerações difusas e generalizantes.

Se hoje o processo em questão aparece aos olhos do país inteiro como uma empreitada destinada ao fracasso, é por ter-se esforçado cegamente em manter suas instituições nessa artificiosa condição alienada, de pura comunicação cotidiana de significados caducos, mediante procedimentos débeis de instrução de falatórios e oitivas de moleques de recado que, longe de modificar o objeto da interpretação, apenas submergiu seu entorno numa pasmosa opacidade sem relevo jurídico.
Desde o início, as suspeitas elencadas cumpriram um calvário de desmentidos fáceis, que fez boa parte do Comitê e da mídia liberal militante  chorar de aflição e grunhir e arranhar agressivamente por todos os lados, afetada por mil e uma ilusões democráticas historicistas e queixumes naif, tirando da tela do juízo qualquer elemento capaz de compor uma evidência transparente, que dispensa opiniões e leituras. Por mais banal e diminuto que esse comportamento tenha tornado o circo da dúvida no qual se debate toda a América  agora, ainda assim ele serviu para colocar em destaque, para o povo americano e suas instituições, o verdadeiro sentido das exigências da fundamentação pós-convencional. Nestas, como salienta Habbermas no seu clássico Direito e Democracia (entre facticidade e validade) a ética substancial , no âmbito de um estado democrático de direito, se dissolve em seus componentes morais, e gera um conteúdo normativo instransponível pela mera consideração moral opiniosa, uma vez que explicita o sentido da imparcialidade dos juízos práticos.

E aqui, citamos um trecho que consideramos bastante esclarecedor do que estamos tentando explicar aos leigos da mídia, da política e, porque não, da próprio âmbito jurídico, uma vez que as complexidades principiológicas da filosofia do direito não são tópicos dos mais populares no meio:

''A concepção empiricamente informada, segundo a qual ordens jurídicas completam co-originariamente uma moral que se tornou autônoma, não suporta por muito tempo a REPRESENTAÇÃO PLATONIZANTE, segundo a qual existe uma relação de cópia entre direito e moral --- como se tratasse de uma mesma figura geométrica que apenas é projetada em níveis diferentes. Por isso, não podemos interpretar os direitos fundamentais que aparecem na figura positiva de normas constitucionais como simples cópias de direitos morais, nem a autonomia política como simples cópia da moral''

(Jurgen Habermas, Direito e Democracia, entre facticidade e validade)

Ademais, como bem relacionado na quase totalidade das Constituições do Ocidente, incluindo a americana, o princípio do IN DUBIO PRO REO, bem como o princípio da presunção de inocência, EXISTINDO APENAS MEROS INDÍCIOS, NÃO SÃO ESTES SUFICIENTES PARA FORMAR UM JUÍZO DE CONDENAÇÃO.

Em discursos de aplicação, o princípio moral só pode ser complementado através de um princípio de ADEQUAÇÃO, e aqui se recomenda toda cautela pelo Legislador Constituinte, pois nem mesmo o controle judicial de constitucionalidade escapa da necessidade de se impor uma AUTOCONTENÇÃO. Deve-se partir, portanto, da circunstância de que o princípio da democracia destina-se a amarrar um procedimento de normatização LEGÍTIMO DO DIREITO e das atividades públicas e privadas dos cidadãos, princípio este que não se encontra (em absoluto!) no mesmo nível que o princípio moral, ainda que se queira conferir à fomentadores midiáticos e líderes democratas da Câmara, nesta pequena guerra de insultos de vila em que transformaram este processo, a possibilidade de alcançar todas as fundamentações jurídicas necessárias somente através do ''discurso moral'' ou, como diriam, depreciativamente, os argentinos ''de moraleja''. Ora, o principio da democracia é talhado na medida das normas do direito, e não do discurso, Miss Speaker!. E neste tipo de política mais estreita, vigente no reino das aspirações liberais, ou seja, na política de fabricação de virtudes, parece igualmente que tal ideal jamais foi alcançado. Admitindo-se que tivessem de fato (não o tem, à OLHOS VISTOS) olhos para as ''coisas ocultas'', descobrem-se, até entre os mais independentes e os mais pretensamente ''conscientes'' moralistas do campo liberal ( e calha bem o nome pejorativo de ''moralistas'' à esses políticos da moral'', e a todos esses ''fabricadores de novas forças morais'') descobrem-se, digo, traços desse fato que tbm tem pago seu tributo à fraqueza humana : defeito essencial no ''capital político'' de todo moralista, principalmente na hora de ''transparecer'' seus assuntos ''mais caros''.

Agora, inebriados por uma vertigem de oportunismos políticos espúrios, as disposições litigiosas voltam facilmente aos espíritos atormentados dos Democratas --- encerrado já há algum tempo a última tentativa de golpe. Quantos trabalhos obscuros mais, pergunto, quantas ocupações laboriosas e sem brilho, de lides improdutivas que enojam a população, seja no campo político, seja no campo probatório, no âmbito do processo, etc?! No entanto, ninguém jamais duvidou que, qualquer que fosse o preço para o Estado, para a Sociedade e principalmente, para o próprio Partido Democrata, estes voltariam a perseguir a satisfação de seus interesses particulares tão cega e avidamente --- interesses que todos hoje conhecem muito bem.

KM


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