domingo, 6 de outubro de 2019

A dilatação da esfera das mercadorias, na qual a mídia é imprescindível, evidencia uma "desdiferenciação" (a expressão também é de Jameson) entre a economia e a cultura que acompanha o pós-modernismo, considerado a atmosfera cultural do capitalismo tardio.




A "produção de pessoas pós-modernas" é também diversa daquela observada na modernidade. O marxista americano Fredric Jameson lembra que a sublimação, a gratificação retardada ou o ascetismo propagado na ética protestante eram componentes subjetivos indispensáveis à acumulação primitiva de capital. Os indivíduos que levaram essa inauguração adiante (com a abnegação e as barbaridades que foram capazes de cometer) estavam impregnados de uma mentalidade que os habilitava ao trabalho árduo e ao adiamento permanente do prazer, em uma agregação de vidinhas que produziu uma gigantesca guinada histórica. No momento atual, uma nova lógica cultural "coloniza" as mentes - nos hábitos, fantasias e aspirações - de forma a fazê-las funcionar nas condições diversas do modo de produção. O imaginário, as pulsões da intimidade, as maneiras de ser e os sentimentos foram incorporadas ao universo das mercadorias através de narrativas estéticas e da cultura. A dilatação da esfera das mercadorias, na qual a mídia é imprescindível, evidencia uma "desdiferenciação" (a expressão também é de Jameson) entre a economia e a cultura que acompanha o pós-modernismo, considerado a atmosfera cultural do capitalismo tardio.
Para Jameson, a linguagem da televisão e dos vídeo-clipes é expressiva da condição pós-moderna. As imagens aí se encadeiam através da rotação incessante dos elementos em que tudo é desalojado no momento seguinte, "puro jogo aleatório dos significantes" - na expressão de Iná Camargo Costa - que é sintoma desse Zeitgeist (a coerência de um tempo) com o desmonte das grandes narrativas e a suspensão da historicidade. Essa linguagem composta de uma série de puros presentes remonta à ruptura na cadeia dos significantes que, segundo Lacan, cerca a condição do esquizofrênico, onde a incapacidade de unificar passado, presente e futuro da sentença remete à incapacidade de associar passado, presente e futuro da vida psíquica. Segundo Jameson, a alienação do sujeito se desloca para a fragmentação: a singularidade se constitui e se parte no emaranhado das narrativas em eterno presente.
A "lógica cultural", para Bauman, carrega mais contingência e ambivalência. O "começo permanente" - que se origina no período em que a identidade deixou de ser atribuída através dos contextos de confiança da sociedade tradicional - é anterior ao capitalismo midiático, à especialização flexível da produção de mercadorias e à fragmentação das narrativas. Isso não invalida as contribuições de Jameson mas permite a atribuição de outros sentidos para os mesmos fenômenos. A vida em ambiente de simulacro indica para Jameson uma errância no éter da desintegração, expressão (determinada?) das linguagens fragmentadas do novo universo de produção das mercadorias. Para Bauman ainda há muito por qualificar na angústia da escolha (fundamento do empreendimento individual de auto-constituição), reservando lugar para outras forças que não se resumem às narrativas, digamos, de "abrangência sistêmica".

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