l a temática do traço, recorrente de formas diversas em sua obra (“traço”, “suplemento”, “differance”, “segredo”, “cinza” “espectro”, “dádiva” podem e devem ser trabalhados como variações da temática da não-presença na presença
*
Assombrados permanentemente pelo nada visível dos espectros, não podem ser desconstruídos porque já se desconstroem desde sempre. Mas é preciso acrescentar logo que essa desconstrução já existente não é privilégio do texto literário. O espectro que assombra a literatura assombra também outros textos. Na literatura, contudo, essa não-presença espectral torna-se particularmente visível. Como diz o próprio Derrida em Mémoires, for Paul de Man, “existe desde sempre desconstrução, operando em obras, especialmente em obras literárias” (DERRIDA, 1986). Talvez seja essa visibilidade maior da desconstrução na literatura que, no final das contas, justifique a resistência à interpretação, na medida do possível, em textos como o Ulysses, de Joyce. Mas, se no tratamento de Joyce não se justifica, na perspectiva de Derrida, nem a prática desconstrutiva e nem a prática interpretativa tradicional, resta ainda tentar precisar a natureza do texto derridiano sobre a literatura. Uma indicação dessa natureza aparece nos parágrafos finais do texto sobre o Ulysses.
O penúltimo parágrafo de “Ulysses Gramophone” retorna à questão do “yes” joyceano assombrado por espectros para afirmar que o termo “permanece recomeçando e repetindo se a si mesmo, um número infinito de vezes” . Derrida aponta aqui para a lógica ferrenha da iterabilidade, possivelmente visível com força particular em Joyce, mas estruturalmente presente em qualquer signo, evento, coisa, origem ou presença. A presença de qualquer “yes”, em Joyce ou em qualquer outra situação, constitui um evento singular: acontece uma única vez e é absolutamente única em sua diferença em relação a qualquer outro “yes” no passado ou no futuro. Por outro lado, contudo, esse “yes” só pode existir em sua singularidade se já estiver desde sempre marcado pela lógica da iterabilidade, ou seja, pela condição de poder ser repetido de forma diferente e em outros contextos. Derrida lembra em “Signature, Event, Context” que “iter deriva de itara, other, em sânscrito” (DERRIDA). A estrutura da iterabilidade determina que em cada “yes” ou em cada singularidade habita desde sempre um outro espectral que a divide e a torna “plus d’un”: ao mesmo tempo “não um” e “mais do que um”. É a lógica da iterabilidade, de resto, que se faz presente em qualquer tipo de escrita (e não apenas na linguagem literária), seja ela “pictográfica, hieroglífica, ideográfica, fonética, alfabética” (DERRIDA) e que permite a essas linguagens operar independentemente de quem a recebe. “Uma escrita”, diz Derrida, “que não fosse estruturalmente legível – iterável – para além da morte do receptor não seria mais uma escrita” (DERRIDA). E permite também que operem independentemente do seu emissor ou produtor. “Escrever”, completa Derrida, “significa produzir uma espécie de máquina que se torna produtiva, e que não terá seu funcionamento impossibilitado pelo meu desaparecimento futuro” (DERRIDA,
*
LEITURA
EMBRUXADA
Entregue
às palavras
na
curva da noite,
oferta
de leitura ao mistério
e desdém
hierático
pelo
mundo? E esses
ciúmes
sapientes?
entre
amores, autores e essências
o
anoitecimento da alma
pressentido
entre queixumes,
entre
beijo e boca se evaporando.
Fixando
as coisas que respiram,
seus
interiores contestatórios
apareciam
como fio central
e sem
nome da suspeita,
zombando
dos versos
e sua
fissura por mulheres
que
esfriam discursos.
---
Aqui é o tempo do dizível, nossa pátria ---
eu
dizia
---
onde perecem as coisas vivíveis,
a
chama de um doce limbo,
astúcia
e coisas ao alcance
dentro
do olhar, KAMA-MÍDIA ----
dados
econômicos mistos de todo o mundo aumentaram as esperanças de mais estímulos
dos bancos centrais para impedir uma recessão global.
Vaga
pestana de olho fixo
fixando
as coisas sem filtro,
sem
mestre, na abertura do mundo
insinuando-se
sem densidade,
pelas
gretas das jaulas de pele;
KAMA
continua ecoando.
Respira
surdamente no mundo,
com
seus interesses de drama
e de
mercado --- uma rua,
um
olho -- clama o escravo cognitivo,
mas
sem o brilho da luta de classes,
some
sem antídoto no escuro
do
mundo sem nome, que se diverte
apenas
fumando ou correndo
através
de suas leituras.
Farol
tímido, restrito ao olhar?
Compreensão
e pedidos da Bruna:
no seu
longo túnel de risos
alguma
dialética negativa
atravessando
o pescoço
e
vindo grudar-se como musgo
nos
objetos voadores do ego
--- no
ar, ao vivo! --- entrando e
saindo
do tempo, segundo rápidas
crispações
de afeto mascarado,
etiquetados
em tudo quanto
àquele
''humanero'' superfaturado,
pó de
todas as coisas televisionadas.
Veio
de mofa anti-conceitual?
Fingindo
bem a todo poderosa
PALAVRA
de autoridade indeterminada,
entre
o tudo e o nada, no ENTRE
DA
SUSPEITA, suspenso
nos
limbos de gargantas dos livros,
buscando
a coisa selvagem informulada
----
Aleph sub-júdice, comentário
do
comentário místico... forçado? ---
enquanto
''mercadorias espreitam-me'' e
''o
tempo ainda é de fezes'' e o
''mesmo
impasse'' persiste ad nauseam.
Não é,
minha Flor? Ler Le Nausee
e
explicar-lhe o nada foi fácil,
mas
sob a pele das palavras
era
minha própria náusea,
sem
poema nem filosofia,
e
considerada sem ênfase,
quem
afastava Sartre do assunto.
Os
jornais seguiam ruminando
suas
esperanças miúdas
em
meio a um rio de negociações,
totalmente
cúmplices
do
Esquecimento do Ser
com
sua política de políca publicitária.
E
enquanto sequer se colocava
a
pergunta do poeta pelo Ser,
o
poeta lia-O, exercitava-se e banhava-se
nas
águas de leitura do Ser,
meditando
em catacumba heideggeriana
um
futuro menos horroroso para seu estupor.
Livro.
Nome. Advertência de poema exposto:
rizomaticamente
ativo, e com os jornais
no
lugar correto, o apontamento-grifo
embruxava
totalmente a leitura.
Arquiescritura
da mente,
num
anoitecimento sonâmbulo
da
linguagem e da imagem do mundo
que
crispa o Mercado e suas interrogações.
Deriva
impregnada de ermos da lua,
sem
delicadeza, sem agasalho, sem
cigarros,
tossindo entre prédios ---
frio
central vadeado, um rio na
fome
de traição da Natureza,
no seu
célebre riso de chuva
e
vento nas estradas, e nos
receios
de ajuda dos homens,
suas
suspeitas lentidões de láudano
em
momentos de pose de estátuas,
suas
sábias consultas, suspeitas
de
olhos acesos recuando
''daquelas
posições'',
tão
sabidamente defendidas.
mATHEUS dULCI, KM
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