quinta-feira, 15 de agosto de 2019

BRINDEMOS!

Gloriosamente: fazendo-se consciente do próprio corpo a cada segundo durante duas semanas seguidas, uma vida essencialmente física e extra-sensorial, sem escudos intermediários, nada de leituras, literaturas, filosofias, fórmulas abstratas e combinações de conceitos: meu último livro tratará justamente disto, o último livro , a ser escrito anonimamente por mim, reunindo e dispondo de tudo o que importa de fato, tudo estará dito nele, em meio a imagens libidinosas e diálogos estranhos; porei nele o bastante para que os escritores do futuro, que ainda não nasceram, tenham Nele seus argumentos, seus dramas, seus poemas, seus mitos e, o que é mais imprtante, suas Ciências Ocultas; o mundo poderá alimentar-se Nele durante mil anos, absolutamente colossal em sua presunção. A simples idéia Dele nos esmagará com sua Luz. Será enorme, o Livro... não se afobem, por hora, este é apenas mais um daqueles capítulos aguados, sem coup de grâce, em que o que se diz parece muito pouco, embora nao seja em última análise menos que tudo, mas a ação parece indefinidamente suspensa, os personagens congelados num close eterno e vertiginoso, lutando contra palavras em cascata, sem levar a lugar nenhum. Verborrágico, parnasiano surrealista, busco a palavra simples daqueles que perderam sua identificação com o mundo para me ''atualizar com o mais importante'', essa semente do novo que vem em forma de murmúrios, saindo de aglomerações insuspeitadas, , sem reproduções, sem coquetéis de lançamento, sem excursões, sem destino, sem cartões postais. Apenas as mãos fortes de poeta, dispostas como espíritos prontas para abandonarem seus fantasmas e criar carne no texto. 

Beatriz tira as pernas de cima de mim e joga o resto do corpo sobre o meu, a natureza nos guiando qual mãe, mas o suor do meu rosto é frio ao contato com o ar:

--- Voce é uma maravilha, Beatriz -- e sua pele se impregna das minhas palavras e gestos.  Nos beijamos. Num acréscimo de emoção, ela passa a língua n meu queixo; passo a braço em volta da cintura dela: a madrugada foi finalmente digerida e deixou sobre mim suas cascas , sua sagrada sonoridade de vento fino, e extensas horas de cobertura na pedra germinal da manhã --- a luz agora é a de um sol branco , e o travesseiro cintila ofuscando os olhos de Beatriz, enquanto a luz branca segue projetada na janela. Sorriso de alívio, ela se levanta num cotovelo e me beija. Meu rosto continua sólido e inerte, solo no qual o amor combate, queimante agricultura na boca de um homem e uma mulher. Meu último parafuso é finalmente apertado por aquele beijo, a coisa agora corre nas minhas veias, uma engrenagem informando-me à todo instante. 

Ela volta para a posição em que esteve dormindo, mas já tinha dormido demais. Como em busco de acesso a um novo sonho, estendo a mão para seu corpo nu, à pequena distância na cama, e viajo acima e abaixo por largas encostas, quentes como um bolo recém-saído do forno. Estão voltadas para mim, suas costas, e um pensamento de aflição brilha na mnha mente, como que por efeito de um feitiço telepático de Sabrina, e sinto aquela espécie de loucura cobiçando-me invisivelmente. Acaricio as costas de Beatriz ternamente, escapando por um transe astral onde, sem mover nenhum músculo, a cor natural e tangível do mundo volta do não-ser sob as pálpebras. Ela espreguiça e vira-se, sei que me sentiu embaixo, minha simétrica estátua de pernas gêmeas subindo até as estrelas da manhã úmida, minha cara branca feita para a profundidade do sol, meu peito feito de rituais, minérios, comércios entre água e sangue astral.Meu rosto como um golpe no rosto de Beatriz, seus olhos de sal ávido, de matrinônio rápido e língua amiga convidando de novo ao amor na luz matutina de bocas enevoadas, seios como litros sedosos flutuando silentes na sua caixa toráxica, quase nua demais , agora, com seus dentes de horário branco, equidade sistemática entre sexos, dentro da boca sob estímulos meus crescendo sob meu metro de osso duro. Um beijo fixo como uma estrutura de asa, de saúde de mansão furiosa se estendendo sem limites na rua madruguenta. Sem dúvida.

Na festa, mais tarde participamos da conversa ouvindo mais que falando, principalmente quando começaram a falar de cifras, esgoelando quando mencionavam seis milhões em ''moeda sonante'', e consultavam no celular as cotações do mercado. Um garçom veio até nossa mesa e nos ofereceu ''marguaritas'' de morango numa bandeja de prata; as garotas aceitaram as taças, eu fiquei com uma cerveja. Beatriz entregou uma à Anabelle, curvando a cabeça, e outra à Sabrina, depois pegou uma para si própria. Tudo parecia lento em volta do burburinho enquanto inclinavam a cabeça para degustar a bebida através de canudos vermelhos, distraindo-se em misturar o gelo. A bebida subia pelos ossos de seus maxilares até suas cabeças, sob o sol na piscina em frente. Súbito, como se puxadas por cordas invisíveis, elas levantaram as cabeças ao mesmo tempo e, prendendo a respiração, sorriram-se entre si, como três mosqueteiras. ---- Um quarteto unido nessa festa, ENTÃO BRINDEMOS! ---- , Sabrina disse, sem muito entusiasmo, flertando com Anabelle como se suas palavras tivessem sido uma indireta só para ela. Ao levantar sua taça, os vidros retiniram e tilintaram no ar, como que ''calculadamente'' uma visão para prender suas palavras em nossas cabeças. Nos olhos de Beatriz, eu procurava apenas promessa e respeito, e encontrava restos de ansiedade e medo. Sabrina incomodava, como se estivesse andando de olhos vendados e a qualquer momento escolheria um de nós na mesa para uma intriga. Fazia parte do acordo, ser seu amigo. E admitir suas coisas como felicidade conhecida por poucos, exultação de corpos próximos, enquanto nos sufocava com seduções de todo tipo. Anabelle parecia esforçar-se consideravelmente por encontrar alguém conhecido no meio da festa, depois do brinde de Sabrina. Encontrou um conhecido no meio de convidados muito animados. no bar perto da piscina, sempre bonita, Anabelle parecia agora positivamente linda, desvencilhada e oportunista. Perguntei à Sabrina em off se ela e Anabelle tinham ficado, mas ela contornou o assunto , guardou o segredo com os dentes contrariados por Anabelle ter deixado de repente a mesa. Pensei que sim , mas que já estava pensando demais, pensando como um vampiro. O olhar de Sabrina  realmente turvou-se assim que  outra deixou a mesa. As circunvoluções e caprichos da atenção predadora, uma impelindo a outra ao movimento de prontidão, sob a ausência de resgate na superficie da festa, na povoação alheia do dia real. Ela, naquele momento, era simplesmente a carne insistindo no contínuo comestível da lucidez, exigindo de sua fome a transfiguração do desejo de posse numa salmodiada providência através da ''entrega''. ---- Désir d ´un commecenment --- Sabrina disse , e digamos que percebi uma clara insinuaão de ciúme latejando na sombra deal no chão, algo perto disto. Ela acendeu um cigarro e tirou os óculos escuros. Uma onda de algo doce e forte saiu-lhe da boca junto com fiapos de fumaça azulada, e ela falou do que sabia: bancos traseiros de carros caros e suítes de hotéis de luxo; falou do vermelho vivo de promessas feitas de olhos fechados que iludiam qualquer um ; falou de blefes ao pé do ouvido, de correntezas inorgânicas de apostas diante de uma garrafa de vodka; e tbm de um estojo de cocaína. O quadro, descrito em sua totalidade, era bastante real.

O mundo parecia simpático enfim, debruçando-se do frissom coletivo para o vazio, ainda que da Sabrina que falava há pouco restasse somente a mímica, a presença do ventríloquo de sua boca, de seu Désir d´un commencement, como quando voce para de assistir e o jornalista da tv continua falando. Anabelle passava de mão em mão no meio da festa, , com passos lentos, fogo e cutelo, sabotagem de Sabot, ''caminhando junto'' com gente de vários grupos diferentes, num fluxo onde todo sacrifício para acompanha-la de perto parecia inútil, fosse pela sua falta de dedicação, fosse pelas pessoas em volta dela disputando e impedindo o acesso. Os que arriscavam  maior aproximação percebiam que ela se camuflava, que se expunha sem se expôr, com más intenções, e o suco da recusa apertava-lhes a garganta amargamente --- foi o que senti, que às vezes era realmente difícil lidar com alguém assim, e que Sabrina tinha razões para se atormentar.

---- Difícil lidar com ela? --- ela disse, rindo ironicamente, sem tirar os olhos de anabelle e do rapaz com quem ela conversava agora. Deseja que ela estivesse na mesa conosco, planejando algum tour pelos próximos apartamentos da noite, que começava com telefonemas respondendo aos movimentos da gíria interna a esses circuitos. Perguntava-me se Sabrina já teria onde ficar hospedada nas próximas noites:

---- Ah, minha rapariga, não são os primeiros encantos e frescores a murchar aqui sob os sóis estivais... gerações de mulheres mal amadas já se admiraram no espelho daquela piscina, pensando nos seus amantes grosseiros que não lhes davam atenção... A juventude já chegou nesse quarto agasalhada no azul  mais pálido e partiu na mortalha cinza da desgraça. e durante longas noite moças decentes quedaram insones, ou derramadas numa escuridão suspeita de onde emergiam com olhos alucinados por sentimentos de potência maléficos --- 

Sabrina fez uma careta, que por um momento pensei ter sido fotografada por alguém escondido do outro lado da piscina . Enquanto ria da cara dela, ergueu-se na cadeira colocando o corpo numa posição mais triunfal. 

---- Calma, talvez não tenha sido um fotógrafo. Voce esteve sonhando acordada nos últimos minutos e deslocou o eixo de concentração da festa. Anabelle se foi de repente, e seus dentes latejaram. Deve ter tido uma espécie de insolação, depois que a amiga abandonou a mesa. Seu inconsciente passou a funcionar como máquina de guerra, mas dentro de um daqueles filmes românticos com mocinhas ofegantes. A situação impõe agora uma demonstração de frieza e segurança, apesar do assunto escolhido por nosso charme falante. Nenhuma adrenalina, da minha parte --- eu disse

KM

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