KM
quarta-feira, 21 de agosto de 2019
CONTINUAÇÃO EM CRISTO 2
E no começo estava frio, e ela estava perdida, eu pensei, mas só por um milésimo de segundo, até ela acordar, súbito e patético acesso de pânico de pálpebras estremecidas, como tanto sonho emendado se começando nas idéias de navegação errática, como se pudesse tocar as coisas mesmas naquela luz fria, que em meus olhos sem pupilas luzia e me fazia parecer cego, de luar refletido no canto do olho esquerdo, ouvindo ruídos que dela saíam com facilidade, arrancados de algum mecanismo pesado e opressor no seu peito. Todo aquele imenso apartamento vazio era o amor até o centro, pobre coitado, inveja pura minha, conforme vai me parecendo mais cristal que nunca, sem movimentos em falso. Então, ela cai no sono novamente? Esse é o diálogo com a mídia? Entretanto, ponho primazia é na leitura proveitosa'', na presença silenciosa do texto nas vidraças da varanda, meu coração é um peixe fisgado no escuro à quilômetros de profundidade no oceano, aquietando meu fluxo de consciencia, muito bem assistido, numa audiência onde terríveis bons-espíritos protegem o gosto. Ipe! ''Ajudo com meu querer acreditar''. Abro meu caderno de anotações no escuro e escrevo ''São Paulo, Carta aos Coríntios, XVI Capítulo - Quem sóis vós, os coríntios que professam a monstruosa nova fé, que receberam o Evangelho, a boa notícia tirada das novas que o morto Jesus, ressus-citado do túmulo, Jesus-citado em espanhol, foi visto por Cefas e depois pelos Doze, e depois por mais de quinhentos irmãos de uma só vez (dos quais diz Paulo, naquele pormenor perturbador que dá a essa carta um ar de contemporaneidade, uma urgência diáfana de jornal de ontem não lido --- ''AINDA HOJE VIVE M MUITOS, MAS ALGUNS ADORMECERAM '' e continuo sozinho o pensamento de Paulo, ajudando com meu querer acreditar, cão mestre. ''E hoje todos adormeceram, e ainda hoje, neste dia presente, perdura o boato de alguma coisa mitigante que aconteceu de fato, como se fosse ontem, para alinhar, como um ímã passando sob um papel cheio de limalha, os cacos de nossa confusão humana, ambiciosa sabedoria das desconfianças, concedendo o mínimo para seguir longe com sua projeção psicológica, fantasiação ligeira de rastreios, mentiras, ofensas e insônia sonâmbula ambulante, sub-dominante através da cabeça, numa vibração que parece exigir ordem e divindade na minha mente, simplificação corporal no meu espírito e auto-observação sub-reptícia, clássica austeridade tolteca, em sua certeza zen. Também naturalidade subconsciente e viva, essa naturalidade japonesa que almeja sem almejar, honra subáquea do Japão guardado de minhas antiquíssimas leituras de Lacfádio Hearn, tudo aquilo que ele escreveu sobre o Japão: os contos fabulosos, os jardins em miniatura, as supremas artes marciais, pontos e lanternas, os templos budistas, a arte cavalheiresca do arqueiro zen e paisagens pedregosas arborizadas. Até o amanhecer, foi como seu eu estivesse no Japão, andando de um lado para o outro, medindo a claridade que despontava com citações bíblicas obscuras, cigarros, passos e sobras de pensamentos, com que ''divêrjo de todo mundo'' através da madrugada. De repente sou o idiota, que me pus no mesmo céu que o do cartaz, em luz neon piscando as palavras DEUS EXISTE, sem muito atributo, já um pouco delirante de dormir pouco e congelado depois do kangêiko, sem chuveiro in, pensando na literatura com idéias arranjadas, sem pôr lida na carne das mil e tantas misérias do país. Tanta gente, e a literatura sobe tanto à cabeça da gente que escreve e lê, ou pelo menos enche de meios comestíveis mais substanciosos o clichê querendo colocação de negociata. ''Ou a gente se tece de viver no safado comum, ou cuida só de religião só''. Aforismático, desde o universalismo de Schelgel. Romantismo, irracionalismo brilhante em Novalis e Schpenhauer, personalizado por Heine, trabalhada de forma oculta nos Diários de Hebbel e levada aos píncaros por Nietzsche. Condição de procedimento: Karl Krauss, a origem é a meta, e Kafka e Junger, mas até nos Provérbios de Lutero é possível o rastreio, até nos epigramas de Gryphius e nas Fábulas de Lessing é o aforismático-introspectivo, auto-observador experimental, personagem narrador no radar da voz, contido mas inquiridor. Bardos inteiros com traduções filosóficas e De Quinceys de humour particularíssimo de aforisma, no extremo da cultura o poema-mola , segundo Rimbaud, tem sua ''mécanique érotique'', incluindo todos os requintes do (em geral) pesado gosto alemão em poesia e filosofia. Kant certamente me mataria, ou designar-me-ia um mestre passante, um Exu agudíssimo esquentando sonhos num tubo de ensaio, que amarrado em palavras às vezes ACEITAM-NO, ainda que com gente inquirindo em volta. ---- Sou um homem livre! --- repito, cansado. Todos calados durante algum tempo. Fiapos de conversação alheia. ''Hem? Hem? O que mais penso, testo e explico'', o privilégio quase aristocrático da loucura, em que pese todos os nossos jogos de pessoas, e os desendoidecimentos forçados dos embrenhos certeiros, com ocasião moral e social. ---- O Armando está esperando por aquelas informações até hoje, notícias de produtos nacionais, não obstante o mercado estar subindo, nenhuma financiadora aceitou sua proposta, pelo fato de não envolver lucros imediatos, entende? (risos) sem poder-mercadoria, mas uma companhia seguradora poderia obter prioridades , aproveitar de todas, seu moço: promessas, opções seguras, poderia emitir bônus conversíveis, e até ter ''informantes''. Seis milhões para ganhar e arrancar-lhe uma seiva apenas por nove (as reservas ultrapassam tres milhões, é só tocar o barco --- tudo aquilo que conversam me inquieta, me suspende, minha reza provisória, o tempo todo, o privilégio invariável da loucura, ''o que faço, o que quero, muito curial, O que sou? Não tresmalho'' enquanto afamam muita virtude de poder, secando os copos , o constante plim plim plim de copos de bebidas e garfos de prata espetados em lascas de picanha argentina foi ficando cada vez mais desagradável dentro da minha cabeça, lama introvertida. Continuava conversando: ---- Espavoridos! --- Ajagunçados! --- como por dentro muitos consistiam ---- eu deixava bobo com bobo assumindo seus riscos -- Foi assim que cresci tanto no ramo. Fazendo a coisa se tornar rápida, para muitos ali aqueles valores são mixaria, entende? ---- eu ia vestido bem, por via das dúvidas, em carro de primeira.
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