domingo, 18 de agosto de 2019

NADA ALÉM DO AMÉM!

Tinham me levado para um estado no qual eu não sentia mais meu coração açoitado, receoso de arrependimentos súbitos; aquele estado de espírito transformava minhas fraquezas em alimento para meu ego em reconstrução. Nada Além do Amém!, repetia uma vozinha estranha dentro de mim, vozinha viril, infra-sônica em suas amplitudes, movendo meu corpo num ritmo sussurrante. Depois, a mão de Sabrina brilhando na extremidade da linha de luz do abajur, pelo seu braço, longo como uma enguia, recarregando-se de eletricidade junto à sua boca, chupando até manchas brancas aparecerem nos cantos dos seus lábios. E largando-me, logo em seguida, como se eu estivesse ficando quente demais. Aceleradamente ao longo de meia hora, até chegar àquele mundo branco onde a luz da minha mente rodopiava qual luminária no vendo. ---- Me agarre, luminária. Me agarre, K --- ela dizia --- Me agarre, me agarre, me agarre --- repetiu isso tantas vezes, num tom tão monocórdico, que eu me afliji. Não sublimada, agarrei-a conforme me foi pedido. Inquietante, tinha a impressão de que o que segurava nos braços era o vento, o movimento daquele vento que nos açoitava. Tudo aquilo tinha sido fodido por mim pelo simples prazer equino de desventrar..... ou comia-se ali realmente o livro da sereia de dentes ensanguentados , gesticulando sobre sua rocha em alto-mar?, ''Nous savons que les choses se arrivent  - Soudainement'' , enquanto se afogava sob seu canto hipnótico, seus ventos marinhos lidos em voz alta, como no poema de Mallarmé, ou na '' Vampire qui nous rends gentils commande que nous nous amusions avec ce qu ´elle nous laisse,  ou qu ´´autrement nous soyons plus drôles'', do Rimbaud iluminado das Iluminations? Não: Sabrina tentava apenas penetrar a essência do medo alheio, aproveitando-se da saciedade suína em que nossos corpos, intoxicados, haviam caído. Como na cena da Odisséia, em que os tripulantes são transformados em porcos por Circe. Ou nos porcos da Biblia, de Judas. ''Sombres ou trop ornées'', amplidão rio acima.

---- He he... porque não uma Vampira?, uma Circe? (Sabrida responde) Lúdica e divertida sereia hollywoodiana, no instante de suas práticas enervantes de evocação espectral. Quem sabe dizer hoje o que é isso? Só voce se lembrou do assunto adequadamente, mórbido e obsessivo vício solitário que a masturbação tântrica da alma usa para consultar os Oboths, assunto que provoca tanta estranheza, vinda de alguém que fala tão inteligentemente sobre tudo mais. Francamente: fantasmas do Ob, da Luz Astral, como voce diz, a insistência na operacionalidade da segunda atenção em nosso mundo físico, essa correspondência, quiçá dependência, que sobe em redor de nós em chamas, e nos consome em línguas desconhecidas,  línguas alienígenas. Você quer dormir comigo aqui , hoje? (ela pergunta em seguida) ---- e apresso meu olhos na direção dos ponteiros do relógio na parede, o milagre que lambia nosso corpo com aquelas observações era diabólica, mas mais do que podia ser explicada ''humanisticamente'', como queria Sabrina. Seu sangue procurava deter-se em sua pele, no instante blakeano  do farol-anátema, exame-amante da consciencia purgada por sins de olhos fechados. Fé em cada um dos absurdos dos obstáculos. 

Uma da manhã. Ausência do mundo além de qualquer necessidade minha de mentiras. Ela devia estar mergulhada numa semi-meditação mundana, de jogos de artifício e encruzilhadas, lá onde todo cálculo é respirado com discrição, em público. Qualquer merda desse tipo, e ''no entanto''... era definitivo: sempre deveria haver um ''no entanto'' quando nos vemos em situações como essa.

--- É claro que vou dormir aqui. Você enlouqueceu? é a mulher da minha vida, vamos nos casar, NÃO? --- digo, e vou até a janela do quarto. Olho para o fundo da noite, deserta naquele ponto da cidade, brilhante lua cheia, brilhante e prateada. ''No entanto'', meus pulmões respiram  aquele fino ar de deserto, aguardando o taxi lunar que virá acabar com toda essa comédia. Minha vista já aclimatada à saciedade daquilo, de ejacular e sentir a partir dos ovos, depois, todas aquelas paisagens de prédios e ruas escuras desconectadas do Tao, através de mim, que também caía numa distribuição nova de peso que excluía a levitação do ser do Tao. O chão era um convite com o qual o tantra teria que lutar depois, quiçá usando-o para se levantar e re-ligare seus ''talentos de observação'' místicos. 

----Cai na real, K: imagens do Ob, sonambulismo.. essa perturbação magnética inicial, garfo ao dente? A garganta, alguns palmos de vontade e a testa eriça-se. O quebranto acelera o ritmo, o flagrante, o sono tornam-se um estranho ensaio de algo maior, recorrente, que em pé espera, até que o vento do Nagual... ---- ela disse

Medos, fantasmas, idéias e projeções obscuras da Sombra da Personalidade, transferência de conteúdo inconsciente sombrio para os outros, sem escrúpulo algum. Terreno propício para a sociopatia, a magia negra, as disciplinas de silêncio e matéria do Mal. Uma Obra aberta que, através dos tempos, tornou-se a sombra da Grande Obra alquímica, invocando até poetas e filósofos sombrios para a empreitada, entre uma multidão de intentos do mercado financeiro e suas indústrias, partindo da cultural, logo degenerada em circuitos de mídia e eletrodos políticos de lobby.

Sabrina agora está fumando em silêncio, na beira da cama, enquanto tecla no notebook,. Faz como se não estivesse me escutando . Dentro de mim, percebo nela o receio pelo meu último livro. Não é praxe, nem nas Lojas, ser tão explicito --- há qualquer coisa nele que de fato lembra a Palavra Perdida da Maçonaria. Meu mergulho teórico, naquele momento, é na escuridão, para dentro do vulto escuro e mudo de mulher na beira da cama, o cigarro com o pulso caído ao lado da coxa. Meu coração apertado como uma pálpebra, em busca de seu ponto de projeção na mente.  Os conteúdos da Sombra da Personalidade são terrivelmente poderosos, e podem ser visto pelo vidente como agregados psíquicos. São uma força de tensão com que se joga, que o iniciado submete ao primado da consciência, marcando as as afeições doentias, possessivas e autônomas das formas-pensamento que devoram o homem comum, com o equilíbrio progressivo do Graal; em suma, o Graal como mentais contornos reluzentes de um ego que se mantém estruturado e alerta em meio ao fluxo das forças, homem, natureza e universo entram num crisol de atletismo psíquico, em seu ''wu-wei'', para que o ego  se depure. 

Como todos os conteúdos capazes de se introduzir na consciência, no início as projeções aparecem na espectralidade das evocações viciosas, debilitadas, dos vagos e intermitentes sonhos dos desfalecidos, mas inflamam-se na condição de frustração, a ponto da Sombra tornar-se uma forte rajada de enunciação, na personalidade, rajadas negativas, irracionais, desafiadoras, diretamente sobre o objeto conflituoso. A inveja, por exemplo, evoca na luz astral, segundo Eliphas Levy, a luz passiva da fatalidade, do enfraquecimento do livre-arbítrio, da ética e da vontade. Enervantes condicionalismos surgem no seu caminho, mas o mago negro voa subconsciente no fluido sonambúlico fantasmagórico em meio a essas formas-pensamento obsessivas, cativas de suas projeções, ao longo do espaço de seu mundo, de seu trato com as pessoas, fixando-as na luz que navega como sinalizadores de mar, coordenadas de afectos e perceptos, e utilizando-os até como símbolos maléficos para focalizar a atenção. Neste teste sombrio, seu próprio corpo vegeta noturnamente, duplicado pela lua, palpável e real fenômeno de conservação de transe intro-dirigido, afiado como a cobiça. Quando o ambiente fica psiquicamente carregado, ou afetado pelo desregramento de todos os sentidos, são comuns as ilusões e manifestações sensoriais tangíveis, os acenos e escapes destas forças que reacionam quando contactadas. A coisa vai ficando por isso mesmo, enquanto o insólito instala-se definitivamente no cotidiano.


Vesti minha roupa, traguei duas vezes a ponta de um baseado que ela tinha deixado para trás e parei na frente do espelho: meu porte naquele momento me fez lembrar dos meus tempos de serviço militar, todo espichado, ombros pra trás, peitoral estufado, agressivo, procurando briga: olhos mareados e brilhantes como a ponta de uma lâmina. Mas logo uma expressão triste novamente surgiu nos meus olhos. Molhei minha boca seca com um pouco de água da torneira, respirei fundo mais uma vez e saí pela porta do quarto. Na recepção do motel a conta já estava paga, e eu me senti um garoto de programa. O aspecto da cidade lá fora era desenxabido, arejado, largo e bom, sem nenhum taxi lunar por perto Todos conhecemos o nome do Vale da Morte, pensei, depois de alguns passos, No Salmo 23... A Palma da Mão de Deus. Não estamos todos aqui, na palma da mão de Deus?, eu me perguntava no meio da rua vazia. ''E não vemos, em volta de nós, pessoas miúdas erguendo a toda hora seus braços desajeitadamente em oração? E ouvimos cactos em forma de Cristos trovejando seus hinos transcendentais pelos jardins públicos da cidade? Coral de Louvores. Vigília Evangélica - A vela, o livramento, a cura, a Visão do Deserto --- o Deserto turbulento, do desengano invisível por dentro, nas poças dos cânceres, nas palavras duras provocadas por tempestades de ventos, e também nas palavras-anêmonas, pedagogos murmúrios, nas aparências de pedra da vida, nos rostos e rastros de seu rolar difícil. Agora, invocando o espírito da religião, atribuo todos nossos males à uma sociedade degenerada, ao ''sistema'', à Disneylândia em metástase, suprimindo assim e admitindo também assim os restos da minha nobreza pessoal, do resistir intangível, nos cumes rarefeitos da  verdade, da eternidade reencontrada que o Poeta, em cena, refrata em Sabrina.

----.A apresentação de um problema do espírito deve ser tão fascinante quanto sua solução: prêmio da luta para iniciar-se, seja no que for. Dois olhos por fora, milhões por dentro. Nossos mais fortes pensamentos são frequentemente os de paixão, assimilação, observação e relaçao -. E o Verbo do Cristo funde os tempos e descerra a eternidade, seus poros órficos de apreciação e econtros. Por isso , tudo que é vago sempre repugnou à Igreja Católica, pois o Demônio mora é nos duplos significados e vírus da linguagem. Aqui, segundo o poeta Murilo Mendes, ''ganhamos galerias pessoais que o DESCONFORTO, ou a BILE, ilustra com brancura imediata, brancura de IGREJA. Ouro burguês amortecido na graça desfeita de Deus. Para poder de tudo é preciso antes nao desperdiçar nada. Mas querem poder de tudo, desperdiçando tudo. A Igreja Católica é apenas a manifestação sacramental de idéiasno tempo, não na Eternidade --- eu disse no outro dia.

Palavras ignotas cantaram, em seus lábios, restos malditos de uma frase absurda. Sabrina lembrou de Lacfádio, o vaticano ante a teoria do ato gratuito. E que concisa astronomia nos olhos curtos dela, flexíveis no medir as distâncias instantâneas, transitadas por todas as formas-pensamento em diapasão. O universo é mental. Vício? Filtrada perla categoria de extensão, alcance ou vigília sonâmbula, sua mente era um esconderijo barroco num livro perfeito, que se refazia continuamente. Penetrando as efígies das pessoas pelas filigranas do astral , os materiais óbvios daquela lição, seu jogo de variações.

Pés úmidos na poeira, apertando os ouvidos para ouvir. Beijo ao caminho, à imprensa , em coices, em conglomerados de olhos mal contidos, de esperteza mal dissimulada, reunidas a cada dia em dispersas vinganças de imagem pública. PRENÚNCIO DA VIDA ESSENCIALISTA QUE DILATA O ESPÍRITO LIVRE DE ILUSÕES! Os recursos da oposição se reduzem a preconceitos intelectuais, um atraso da Cultura que impele o Verbo do Cristo ainda mais para os futuros. Diálogo entre Criador e criatura? Radiação cósmica de fundo, audição iniciática , deslizamentos do Eterno Retorno na jornada até o Samadhi --- inegavelmente, existia um grego antigo dentro do Cristo, um fatalismo alegre e confiante, esclarecido, liberto, mas tão errante, tão variado e tão refinado quanto o de Dioniso-Lúcifer? ''SACUDÍ A POEIRA DE VOSSOS PÉS! Tamquam re bene gesta  (como de uma coisa bem feita, Amém). Heráclito não terá eternamente razão ao afirmar que o Ser é uma ficção vazia? Não pela linguagem, com a qual simulamos nossa sabedoria, ''sua treva e sua astronomia'', segundo Borges, forma de tempo aberta ao numinoso. RESSONÂNCIA e SENTIDO: ''O ritmo não é medida, e sim TEMPO ORIGINAL '', em Octavio Paz, O Arco e A Lira.



KM

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