domingo, 22 de setembro de 2019

CREPÚSCULO VAMPÍRICO




Tudo o que não ouso dizer
está aí, no meu rosto vazio,
à luz do nada da tarde brilhando
nos meus olhos de navio partindo.

Paisagens dentro de paisagens,
eis-me aqui, glória de aeródromos
e labirintos de lenda urbana,
junto à arranha-céus tonteando
cardápios e latas de lixo
de um restaurante oceânico

Atrás da tarde, a semente
noturna, universal da ronda
ofídia nasce, imposta por toda
a exatidão do panorama.

Círculo do Eterno Retorno
no Universo pintado, sono
do tempo alongando e
encurtando a duração
dos elementos visuais
entrecruzados com choque.

Entre a pista de dança e
o quarto de dormir,
dançam alternativas de
atuação, golpes, botes.

Ouço o rumor ofídio
dos trópricos resvalando
minhas pálpebras
(luz do início do sonho)
na sonolência-fonte
da claridade da noite.

A substância infiltrada.
O veneno do simulacro na ponte.
Navio. Sopro. Exegese.
Verso interpretado disperso
no espanto que emudece.

Um demônio de linguagem
adentra todas as vagabundagens,
piqueniques, colóquios, con-
versa também temas domésticos,
flertes desenvoltos, danças e esportes
sonham renascer purificados na fala,
exaltações tranquilizadoras do cotidiano,
mas morrem na respiração da noite
fitando na jaula do sono a própria fissura.

A armadilha do hotel agora
resvala para o rio, uma força
precisa arrastar a linguagem
para o mal, rica rima na
vacaria perturbada pelo cio.
E depois disso, aumenta
ainda mais o volume do discurso,
de tático à fantasmagórico
até que todo o transporte do patético
perca o rosto nele, e ploc,
a cena retorne ao demônio
informulável entre coqueiros,
sobressalto do demônio anterior,
cujos argumentos remoçam rindo
toda a investida no longínquo
tele-transportando-se sem
escrúpulo nenhum, daqui prali.

Rompe o escuro! Vai-te, Demônio,
no teu Vão, forma medonha de sonho
raiando na bruma errante, solícita
do mundo abrutalhado. Lua astral,
forte como um espelho. Grito somente
não és! Nem apenas desenho.
Ao mundo apraz, espírito maligno,
gulodices de paisagens naveguentas
sumidas na tocaia dos instantes ---
hora pura que rebenta
tudo o que com ela se faz ---
pausa pura do pulso
fluindo errático para o nada,
sono de península à esmo,
como no passeio do vampiro
pelo litoral cúmplice da amplidão
e da potência do sonho, seu paraíso
de infernos dosados, teluricamente.


Matheus Dulci, KM

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