TEORIA DA VONTADE DOS CÉUS
A
mudança de Lancaster para York fôra agradável o suficiente para que Gisele
sentisse uma elevação feliz na região abaixo do umbigo. Eu me perguntava agora
o que poderia acontecer caso usássemos curare no decurso de uma de suas crises
maníacas agudas ? Mas ela era rápida como um sabujo para pressentir quando
haveria companhia feminina por perto. Não era só a campainha da casa de York que a deixava alerta, agora.
Era como quando levamos uma cotovelada nas costelas, sabe ? Começa-se a sentir
calafrios e só se consegue pensar em enfiar a bunda na privada. E naquela
manhã, aquela campainha atingiu minhas tripas em cheio, com um som borbulhante,
um som que Gisele conseguira até mesmo farejar. Quando saí do banheiro,
vislumbrei uma garota debruçada na janela da sala, me aguardando. Ela fôra
enviada pelos sabichões de Nova York
para me ajudar a tanger os votos dos negros para dentro de um curral eleitoral
onde (segundo ela) eu deveria oferecer um espetáculo de ventriloquismo no
mínimo ''inovador''. ----- Mas Giovanna (eu disse) essa gente não aceita minha
teoria da ''Vontade dos Céus'' pacificamente; muito menos a dos ''Funcionários
sempre inteligentes e as massas sempre burras''. Andaram lendo o Anti-Duhring,
de Engels, e seus rostos se converteram em dois tipos execráveis de cartazes
ambulantes: ou realistas-banais ou panorâmicos-naifs. Preto no branco: as cores
sem pulsões, como ''verossímeis'' demais ou de menos (.) ----, eu disse,
enquanto meus passos me levavam até a porta. Sem café até o momento, seguia
preso dentro do meu próprio crânio, totalmente lacrado... se não fossem pelos
olhos dela, entende ? Mas, uma vez mais, o faro do sabujo não o havia traído.
Gisele se plantou no vão da porta que eu
abrira para fumar, prematuramente ensandecida pelo ciúme, não demonstrando mais
simpatia pela italiana quanto o olho de um caranguejo pendurado na extremidade de
um pendúnculo. Não eram os olhos que eu precisava, naquela manhã. Giovanna
tinha a mesma altura que ela, e feições tão lindas e agradáveis quanto as suas;
mas era recatada, bem formada de corpo, com uma cabeça de cabelos castanhos
abundantes e os os olhos mais azuis que eu já vira na vida . Fiz uma mesura
quase imperceptível e, mesmo assim, os olhos de Gisele esguicharam como
furúnculos estourados que lançam glóbulos de T.in-D para todos os lados e caem
no chão da sala reproduzindo horrendas imagens de vingança aleatória. ----- A
democracia é cancerosa (Giovanna disse) e a burocracia é o seu câncer; Ela cria
raízes no Estado e se expande para reproduzir cada vez mais indivíduos à sua
imagem e semelhança, cujas carências a justifiquem. Apenas as Cooperativas conseguem viver desligadas do Estado, esse é
o caminho a ser seguido (.) ------, rematou ela, misteriosamente. Como eu precisava daqueles olhos ! Assim que
me separei do poderoso abraço possessivo de Gisele, e de todo um conjunto de
beijos vaporosos que ela deixou na minha boca com sua ciumenta saliva, arrisquei uma nova mesura na direção de
Giovanna. Giovanaa aproximou-se de mim e acrescentou, impassível: -----
Formação de unidades independentes para satisfazer as necessidades de quem
colabora para o funcionamento dessas mesmas unidades. A burocracia estatal
funciona com base no princípio inverso, ocupando-se de ''inventar
necessidades'' que a façam ter sentido. Deus não pára de nos punir por nossos
pecados (.) ------, só então percebi que ela estava nervosa. A Itália espetando
a Alemanha ? Inenarrável: a conversa avançava como um carro de corrida sobre a
multidão densa, organizada de desempregados e trabalhadores pobres da Europa,
escoltados pelos Mil de Garibaldi dentro de sua mente. Fiz o que pude para
acalma-la: ------ A política de crescimento da Alemanha é baseada no tipo
''empobreça seu vizinho '' e ''culpe a vítima '' quando o trem sair dos
trilhos. Quando a demanda geral e o potencial de crescimento estremecerem,
culpe a proteção do mercado de trabalho e as políticas públicas dos outros
países, e não as reformas estruturais mal direcionadas da União Européia.
ANGÚSTIA
VERDE
Existe
uma ponte de idéias para
se
chegar vivo à outra margem,
erguida
à força de prognósticos
Comprovarás
como é difícil, mas
seja
impetuoso e desgarrado
com a
caixa de câmbio, quando
estiver
lidando com o que te pertence.
Enquanto
estiver fazendo o balanço
de
teus jugos, para desativar as lápides
do
caminho, mira o flamboyant persuasivo:
as
silhuetas clandestinas da tranquilidade
provocarão
em ti a ''angústia verde''
da
missão, para que melhor administres
a
seiva promissora que se move ao sol.
.
Finca
o olhar nela!, esse ponto de luz
''tamisada'',
onde as mentiras começam
a se
transformar... em nuvem, em pasto?
Procura
averiguar isso friamente
na
textura das notícias, não com os dentes!
Se
chamarem à fala muitos ao mesmo tempo
a
composição pode ficar estrangulada...
se
começarem a reclamar demais de novo
devolva
os reféns intactos dessa vez.
Queremos
os seres-bois completos!
TELEJORNAL
Agora,
para instalar meus dentes em ti,
a fome
me obriga a repelir a gula...
seu
rangido invisível tece, pula
contra
o ar de toda angústia,
até
achar uma posição cômoda
na
qual filtrar as notícias do dia.
Tapeçaria
onde as surpresas de linha e cor
retratam
o mundo como intelecções sadias,
ou como
oscilações de humor, como sentidos abertos
à flor
das letras, onde as mentiras começam
a se
transformar... em nuvem, em pasto?
Em amor
cortês. TOCANTE!
Ali
até as vossas críticas se fantasiam
no
movimento rápido do teu aceno,
girando
na rosa de teu nome, meu veneno!
SÂNSCRITO
DIABÓLICO
I
Do sânscrito: KAMA, o alívio à
sensação
dolente vinha na amada,
idolatrada
saliva metafísica, tingindo
a
história com seu tema glacial.
Explosão
de verbos, sêmens, leites, suores,
servidos
por bocas, sexos, seios, poros
dos
quais em mim não restava vestígio.
Dentro
de mim apenas o veio faminto
do
Universo-Súcubo a girar, olho no olho,
desde
a gruta secreta do desejo,
arrepio
de toda ilusão.
Lava
de olho eruptivo
pingando
silêncio táctil,
derramando
magmática
a voz
do poeta no day after.
KAOS.
''Olho corredor'', além
das
portas dilatando-se, acelerado,
em
vitórias e derrotas demiúrgicas..
A voz
do Demônio entra em cena.
Ligeira
vantagem na apresentação,
na
medida da yoga que vale a pena:
''Te
julgas bela, inteligente e forte,
sendo
só gostosa, mundana e instável.
Quero-te
eterna, amada! Entanto és descartável''.
Fixando
o teto, volve-se ao decúbito ventral.
Ela
dorme, sua cabeça pendula no espaço sideral.
‘’O Demônio no meio da rua, num redemoinho’’.
O
Demônio gira, deitando sobre seu lado esquerdo.
Os
lábios dela babam trêmulos desejos.
O
Demônio cola o queixo nela.
Bizarro
altar de beijos.
Logo
mais, o velho umbral da ''porta''
restará
desgastado. Fala, pois, proclama:
ela
era da mídia americana?
Era de
se esperar, ao menos
algum
Dragão inquietado por isto?
Não: o
olvido invadia tudo
nas
soluções de continuidade
geladas
da tv. Destaques crus,
muita
ação rápida na frente fria
e enxurradas
de esperanças tardias
de
lucro, suor de escassez, calafrios.
‘’Resistente
à ânsia por novos achados,
ou
conservando uma certa possibilidade Dela?’’,
perguntavam-me
depois, zombando.
E de
fato, toda a imprensa estrangeira
destacava
meu rasgo sacrificial
IRONICAMENTE
TÂNTRICO
dizendo
que era possível encontrar um tal mártir
pontualmente
às seis, instalado na cervejaria
com
todas as suas vocações rentáveis
espionando
as finanças do mundo
com
uma sensibilidade expeditiva
absolutamente
repugnante
ante
um ‘’prato de presunto ao sol’’.
Inevitáveis zonas de presságio
que lambiam lealmente os restos de silêncio
em cada partícula de mundo
dispersa nos guardanapos.
Pairando, numa vertigem,
acima das torres de petróleo,
das missões de espionagem
e das mutações de onda curta
que vinham molestar
nosso triunfo em desordem.
II
A
chantagem do homem extremado
injetava
na terra a impotência calculista
de sua
raiva, para nunca mais fecundá-la.
Mais
livre, o Cowboy Solitário
perguntava-se
se era agora cúmplice
de um
fascínora. Mas o Cowboy
era
apenas um cavalo treinado,
que
desamarrava Susan
de um
mau casamento
com os
dentes, só para
continuar
espiando-a no banho.
O
trânsito dos pontos erógenos
recebia
aquelas frutas de sêmen represado
como
truques de distância
da
mente,
no
balcão da própria carne, como
energia?
telepática
entre
rixas
de prontidão
entre
seres amados
sem
vontade de perdoar?
uns
aos outros e depois?
III
Enquanto
os negócios nacionais prosperavam
à
meias, a terra enchia-se de estranhos arsenais.
No
Posto 6, a esferográfica do poeta
evitava
o cerco bravamente, cercando-se
a si
mesmo com as trevas mais longínquas.
A hora
não é de ação (dizia ele)
mergulhado
na fluida adrenalina
extática
do Congresso,
onde
arpões aglomeravam-se.
Matheus Dulci, KM
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