sábado, 7 de setembro de 2019

uma leitura crítica e criativa que busca reconfigurar e renovar o texto de partida tornando-se ela própria - a leitura - escritura




 “A mão disforme é um sinal do poder que passou por Aris Kindt. O pintor compara-se a ele... Ele é o único que não tem o olhar cartesiano fixo”. A aparição dessa imagem logo no início do romance faz com que as questões colocadas por ela reverberem ao longo da narrativa - sobretudo essa sutil mas contundente crítica aos projetos racionalistas e representacionais ocidentais


 ellos tienen un cierto recelo ante la vanguardia y a trabajar con lo contemporáneo, lo que obviamente no tiene que ver con una cuestión de inteligencia, sino con que no tienen el instrumental riguroso para analizar las producciones literarias nuevas y poco convencionales, ante las cuales se sienten, creo yo, algo intimidados. Creo que esa timidez teórica y disciplinar lleva a la crítica de la USP a preocuparse más por el pasado. Por ejemplo, los estudios más importantes de Schwarz, que ciertamente son una excelente contribución, son sobre autores del siglo XIX. Y de este modo pueden trabajar ese corpus con mucha seguridad. Si tomamos "Las ideas fuera de lugar", de Roberto Schwarz, vemos que es sin duda una gran contribución, pero es también dependiente de una lectura marxista del siglo XIX.

8 comentários:

  1. com a combustão da cultura, fronteiras nacionais e intercontinentais,
    aboli-las. Como norte, o enorme sonho de um mundo melhor
    inventado pela imaginação poética. Entregando-se a profundas
    reflexões políticas – inspiradas pelo “sonho”, diz Artaud; inspiradas
    pela não existência do sonho, mas pela presença do “sobrenatural”,
    diz Cardoza –, os dois supervalorizam o lugar e o papel da cultura na
    condução do destino do Homem, vale dizer da Vida, como mediadora
    na busca da Utopia socioeconômica.
    Escreve Artaud, querendo domesticar e domiciliar as hipóteses
    civilizatórias do sonho: “Nous ne savons rien de la civilisation
    mexicaine. Belle occasion sans doute pour rêver hypothétiquement”3
    .
    Escreve Cardoza, afirmando o primado da Vida, negando o pragmatismo
    e assegurando o poder infinito das forças sobrenaturais: “No existe el
    sueño. Yo puedo afirmarlo porque nadie puede curarme de la vida.
    Nadie ni nada. Lo sobrenatural es mi mundo, el mundo del hombre
    y su sola razón. Y su sola alegría”.

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  2. A astrologia dita o futuro

    O retrato nítido e preciso de homem “delgado, eléctrico y
    centelleante”, – pintado por Cardoza y Aragón, d’après “El Desdichado”,
    de Gérard de Nerval, – contrasta escandalosamente com o autorretrato
    otimista que Artaud esboça em carta datada do dia 7 de fevereiro do
    mesmo ano e endereçada ao doutor Allendy. Trata-se, possivelmente,
    da primeira carta que escreve já na capital mexicana. Tracemos os
    antecedentes desta carta para melhor compreender o descompasso
    entre o retrato sofrido e o autorretrato iluminado, bem como o contraste
    entre os dois.
    No dia 10 de janeiro de 1936, antes de tomar no porto de
    Antuérpia o navio que o levaria ao México, Artaud escrevera e enviara
    carta ao doutor Allendy, em que lamentava não poder ter-se despedido,
    como era desejado, dos amigos parisienses e, ao mesmo tempo,
    solicitava um favor ao doutor e também astrólogo.

    Vous me feriez un immense plaisir, et c’est un service de la dernière utilité
    que je vous demande, si vous pouviez consulter mon ciel et tirez de mon
    horoscope quelques précisions détaillées sur ce qui m’arrivera là-bas [no
    México]. Puisqu’une partie de vos prédictions s’est déjà réalisée. Je pense
    que cela doit vous donner une indication précieuse concernant la façon
    d’interpréter le reste. Si vous voyez un événement saillant en tant que fait,
    évidemment je serai heureux de l’apprendre (...)

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  3. Interrompo a frase e a citação e retomo-as em seguida, pois
    nesta segunda parte delas Artaud define o modo como compreende a
    astrologia:
    (...) mais en général vous savez comment je considère l’astrologie: non
    comme un moyen de basse divination analytique et objective. Mais comme
    une série d’indications intérieures. Des trajets et des modifications affectives.
    Une orientation synthétique des vertus des astres. Ce sont ces mouvements
    me concernant que j’aimerais apprendre en fonction d’un départ qui s’est
    effectué.
    Ao final da carta, fornece a data prevista para o desembarque
    no México, 8 de fevereiro, e pede ao correspondente para endereçar
    a resposta aos cuidados da Légation de France, onde irá buscar o
    correio.
    Não é de todo artificioso indicar que as previsões astrológicas4
    do doutor Allendy estão por detrás da forte carga de otimismo que
    alicerça tanto o autorretrato iluminado quanto o projeto políticocultural de viagem ao México. Em anotações do dia 14 de novembro de
    1935, que se encontram precedidas e seguidas por notas e esquemas
    didáticos sobre várias religiões e vários sistemas esotéricos5
    , Artaud
    transcreve previsões feitas pelo citado doutor (“Dicté par Allendy”,
    eis o que está escrito no cabeçalho da entrada): “Mercure concerne
    voyage qui répondra à espèce d’intuition et sentiment occultes
    prémonitions. Le voyage se fait à travers difficultés grâce à un effort.
    Grande puissance éloquence et persuasion”. Essas anotações otimistas
    sobre a necessidade da viagem ao México, e outras mais, substantivam
    o papel que a astrologia (e o ocultismo de maneira geral) tinha na
    condução da vida de Artaud naqueles anos decisivos.
    Poucas folhas depois da passagem citada, Artaud escreve: “si un
    homme n’a pas la notion de Vénus, peu importe de savoir quand Vénus
    entre dans telle ou telle maison et passe à tel dégré du Zodiaque, etc./
    Révolution des astres est un fait d’une cardinale précision.” E depois
    de uma leitura dos astros, anota no mesmo maço de folhas soltas:
    “Ceci ne règle pas mon tempérament, mais me donne des possibilités
    d’agir d’après ce signe, j’absorbe, j’ai des intuitions...”

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  4. Apesar de não se ter o texto da carta enviada por Allendy aos
    cuidados da Légation de France no México, a resposta de Artaud à
    4. Para uma reprodução do
    tema astrológico de Artaud
    e sua leitura, consultar
    Obliques (Paris, n. 10-11, p.
    246-248, 4e trimestre 1976).
    5. ARTAUD, Antonin. Pages
    de Carnet. Notes Intimes. In:
    Oeuvres Complètes, v. VIII.
    224
    Silviano Santiago
    Os astros ditam o futuro.
    A história impõe o presente.
    (Artaud vs. Cárdenas)
    mesma, datada, como vimos, de 7 de fevereiro, não deixa dúvidas de
    que aquela continha bons fluidos. Basta ler as palavras iniciais: “Votre
    lettre me bouleverse par son amitié attentive et par l’émouvante
    clarté de ses vues, qui rejoint tout ce merveilleux qui m’entoure
    étonnament. Pas une de vos paroles qui ne corrobore ce qui m’arrive.”
    Com o apoio espiritual das palavras do médico e astrólogo, o poeta
    está pronto para enfrentar galhardamente os percalços da viagem a
    um país estrangeiro onde espera operar uma urgente transmutação
    dos valores ocidentais. O maravilhoso otimismo reinante é tanto
    mais afirmativo, porque, durante a curta estadia do navio no porto de
    Havana6
    , Artaud conhecera um “sorcier noir” que lhe tinha oferecido
    uma espada mágica, ensinando-lhe, ao mesmo tempo, o que ele devia
    compreender da vida “pour que le monde d’images qui est en [lui]
    se décide dans un certain sens”. Em outra carta, Artaud reafirma o
    poder dos ritos dos negros cubanos como auspicioso fio condutor de
    sua vida futura: “Je ne vais pas au hasard, mais j’ai depuis Cuba un
    étrange filon. J’ai une chose précieuse à trouver...”, acrescentando: “Je
    suis venu au Méxique pour rétablir l’équilibre et briser la malchance”.
    Finalmente, ainda na citada carta ao doutor Allendy, não pode passar
    despercebido o fato de Artaud afirmar que tinha se “desintoxicado”7
    durante a travessia do Atlântico.

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  5. Não falta a Artaud a curiosidade pela história e pela vida
    cotidiana na cidade do México. Não falta a Artaud o desejo de
    chegar sem nada em cima ao México. Não falta a Artaud o desejo de
    conhecer políticos e artistas mexicanos para melhor dialogar com
    eles e se integrar a seu modo de vida. Chega a escrever e publicar
    uma petulante “Carta aberta aos Governadores dos Estados”.
    Cardoza y Aragón surpreende com rara felicidade o papel e o peso
    que o real tinha no seu dia a dia: “Vivía tanto en el mundo que se
    ahogaba de realidad”. Sem ouvidos para as suas palavras, Artaud
    se aproxima do povo anônimo e conversa com qualquer um nas
    ruas boêmias e malandras ao redor da praça Garibaldi; entrega-se
    como nunca às drogas, chegando a constantes humilhações para
    obter o indispensável, e pouco convive com artistas e figuras da elite
    mexicana. Desiludido com a pobreza da vida cultural metropolitana,
    não falta a Artaud o interesse por conhecer aquilo do México que
    escapa à influência europeia. A almejada e desesperada viagem que
    fará, ao final da sua estada, ao país dos Tarahumaras confirma o seu
    interesse. O melhor amigo de Artaud, Cardoza y Aragón não nos
    desmente: “No soy testigo de Artaud en México, calcinado por la
    droga y el sufrimiento. No hubo testigo alguno de su perenne vigia,
    8. Consultar Notes sans
    musique (Paris, Julliard, 1949).
    De um lado, “Oswald [Guerra]
    composait de la musique
    imprégnée d’influence
    française, sa femme Nininha,
    douée surtout pour la
    composition, était surtout une
    excellente pianiste. [...] Ils
    m’initièrent à la musique de
    Satie que je connaissais alors
    très imparfaitement et je la
    parcourus avec Nininha, qui
    déchiffrait exceptionnellement
    bien tout la musique
    contemporaine”. Do outro lado,
    “Les rythmes de cette musique
    populaire m’intriguaient et
    me fascinaient. Il y avait dans
    la syncope une imperceptible
    suspension, une respiration
    nonchalante, un léger arrêt
    qu’il m’était très difficile
    de saisir. J’achetai alors
    une quantité de maxixes et
    de tangos [chorinhos, em
    português atual]; je m’efforçai
    de les jouer avec leurs
    syncopes qui passent d’une
    main à l’autre”.
    227
    ARS
    ano 15
    n. 29
    de su afasia tantálica”. As únicas testemunhas serão os distantes
    índios Tarahumaras. Deles, nos resta o silêncio

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  6. Falta a Cardoza y Aragón, sobra a Artaud o interesse em intervir
    na realidade mexicana. Ele quer transformá-la segundo uma direção
    utópica que reanimaria de vida o glorioso passado indígena numa
    espécie de redenção da grande destruição feita pelos colonizadores
    europeus. Aos olhos dos donos do poder, essa direção parecia
    contraproducente e perigosa. No México dos anos 1930 o futuro
    pertence ao presente, e o presente pertence ao PRN, então sob as
    ordens do presidente general Lázaro Cárdenas. Depois da Revolução
    russa e da crise mundial instaurada pela Depressão de 1929, os países
    periféricos tomam a dianteira na reforma agrária e comandam o
    processo econômico nacional, alicerçando o futuro e robusto Estado
    Nação. Implantam políticas de desenvolvimento próprio e soluções a
    curto prazo para os problemas sociais. O protecionismo econômico
    se alia ao paternalismo social. Os índios tarascos deram o apelido
    correto para Cárdenas: Tata [Papai] Lázaro.
    Não há dúvidas de que Artaud sabe que está na terra do
    historiador e humanista José Vasconcelos, criador dos professores
    “saltimbanquis” que, em missões culturais pelo interior abandonado,
    falavam aos índios da Ilíada e dos Diálogos de Platão. Artaud sabe
    disso e quixotescamente contra-ataca, combatendo a europeização do
    índio pela lavagem cerebral.
    Essas questões, de maneira implícita e explícita, fazem parte da
    sua primeira apresentação pública. Na conferência “El hombre contra
    el destino”, proferida no Anfiteatro Bolívar da Escuela Nacional
    Preparatoria, Artaud fala primeiro do desconhecimento que o homem
    moderno tem do saber, para em seguida afirmar que se alguém falasse,
    entre cientistas mecanizados às voltas com os seus microscópios,
    de um determinismo secreto baseado em leis superiores do mundo,
    despertaria risadas. Artaud é esse alguém. Continua ele:
    Quand on parle aujourd’hui de culture les gouvernements pensent à ouvrir
    des écoles, à faire marcher les presses à livres, couler l’encre d’imprimerie,
    alors que pour faire mûrir la culture il faudrait fermer les écoles, brûler les
    musées, détruire les livres, briser les rotatives des imprimeries.

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  7. Continua ele: pensamento e razão, quando querem dar conta
    228
    Silviano Santiago
    Os astros ditam o futuro.
    A história impõe o presente.
    (Artaud vs. Cárdenas)
    de Deus, da natureza, do homem, da vida, da morte e do destino,
    contribuem para a “perda do conhecimento”.
    Na capital do México, Artaud queria modelar um império do
    saber esotérico. No Palácio de los Pinos, Cárdenas cuidava, com zelos
    de pai dos pobres, de um país periférico. Para isso, mandara instalar
    no próprio gabinete um telégrafo. Seria a maneira de todo e qualquer
    um se comunicar diretamente com o presidente.
    “El hombre contra el destino” parece ter sido escrito por
    alguém que conhecia de cor a biografia do presidente Cárdenas (e
    do historiador José Vasconcelos) e estava disposto a contrariá-la.
    Desde a época em que era governador de Michoacán, Cárdenas tinha
    transformado as missões culturais, criadas por José Vasconcelos, em
    algo bem menos literário e filosófico e muito mais prático e palpável.
    Segundo Enrique Krause,
    su cometido principal era ‘desfanatizar’ y ‘desalcoholizar’ [os camponeses
    e os índios]. Lo intentaban como los curas, mediante pequeñas
    representaciones teatrales. Esta obra se complementaba con clases de
    jabonería, conservación de frutas y fomento deportivo”

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  8. Nessa mesma época, a Confederación Revolucionaria
    Michoacana del Trabajo, ainda segundo o mesmo autor, “decidió llevar
    a cabo una depuración ideológica dentro del ámbito normalista para
    excluir a todos los maestros que carecían de una ‘ideologia avanzada’.”
    Por outro lado, como bom discípulo do presidente Calles, Cárdenas
    media “el progreso en metros lineales, cuadrados y cúbicos”.
    Artaud talvez tenha tido a “buena dicha” de se beneficiar de
    um período pacífico na administração Cárdenas. No dia seguinte ao
    dia mágico em que chega à Cidade do México, no dia 8 de fevereiro,
    o presidente anota em seu diário: “Hoy expedí la Ley de Indulto para
    todos los procesados políticos, civiles y militares, cuyo número pasa
    de diez mil personas, que han tomado parte en rebeliones o motines
    en administraciones pasadas”. Logo depois da chegada de Artaud,
    regressam ao país as grandes figuras da oposição. Mas se Artaud se
    beneficiou da “paz” foi minimamente, tendo apenas as traduções de
    poucos escritos seus aceitos aqui e ali no jornal governista. Na verdade,
    Artaud era pouco perigoso e facilmente neutralizável. O mesmo não
    ocorria com o antigo mestre do presidente, o general Plutarco Elías
    229
    ARS
    ano 15
    n. 29
    Calles. Este, no dia 9 de abril de 1936, contrariando o texto da “Ley
    de Indulto”, é obrigado a partir para o exílio nos Estados Unidos.
    Plutarco Elías Calles sabotava o poder presidencial. Antonin
    Artaud, “el desdichado”, deixava definitivamente a metrópole para se
    embrenhar no distante país dos Tarahumaras na condição semioficial
    de “saltimbanco” às avessas. Praticamente o único pedaço de terra
    que Cárdenas, durante a viagem a todos os cantos da República
    que precedeu a sua escolha como presidente, não visitou. Onde o
    presidente não pôs os pés, ali Artaud reinou.

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